Exposição GLOSSÁRIO DA SOLIDÃO (II), de Paulo Bernardino Bastos

Paulo Bernardino Bastos (ID+) expõe ‘Glossário da Solidão (II)’
Local: Museu de Aveiro/Santa Joana
A exposição está patente até ao dia 24 de fevereiro de 2022
GLOSSÁRIO DA SOLIDÃO (II)
 
Este projeto de Paulo Bernardino Bastos resulta de uma exploração dos princípios da solidão, na tentativa de refletir sobre a mesma na era da conectividade e edição genética. Solidão é entendida enquanto agenciadora de significados vários: desde solidão voluntária no silêncio criativo de estar consigo próprio; à impossibilidade de experienciar o mundo num mesmo espaço tempo que os outros - proposta por Jakob von Uexküll - passando pela solidão da saudade.
 
Os bonobos (um tipo de chimpanzé mais próximo geneticamente do ser humano) fêmea, que se apresentam como personagens desta narrativa, apelam ao ideal de partilha e proximidade biológica com os humanos enfatizado pelas proporções e vestuário (de “fato de macaco”) que nos realçam uma relação metonímica e empática com elas.
 
caixa de cartão em que a Solidão entra remete para o comportamento de quem se isola, se esconde num sítio fechado onde os outros não tem acesso. Remete também para a ludicidade das brincadeiras de criança em que facilmente uma caixa vazia se torna, um forte, um barco ou um castelo. Brincar é uma das maneiras que nós seres humano usamos para criar e acessar conhecimentos. Somos, naturalmente, seres curiosos, lúdicos que gostamos de jogos, sejam eles estruturados ou não. Brincar permite uma exploração do mundo e a perceção de habilidades que podem até ser desconhecidas. Partilhamos com vários animais não humanos a brincadeira como forma de passagem de hábitos da vida cotidiana.
 
espelho, desde a Renascença, transmite ideais neoplatónicos de beleza da natureza, tendo o século dezanove acrescentado um simbolismo mais amplo e difuso, incluindo a inconstância, prudência e ilusão. A fragilidade do espelho (ou da psyché) na parede da galeria, com a figura de corpo inteiro da personagem híbrida assente nele, remete para a melancolia, vulnerabilidade e um narcisismo tímido e para a condição de mortalidade. O espelho reflete a Solidão e o observador num exercício de perceção semelhante ao do ecrã onde o reflexo é partilhado com o próprio e com o outro - numa partilha de autoidentidade os bonobos são dos poucos animais que se autorreconhecem e passam no teste do espelho. Para além do reflexo, inerente à qualidade de espelho, a postura da personagem inclinada sobre o mesmo, e com a face escondida nos seus braços, também se assemelha ao contador (aquele que tem que procurar os outros) como num jogo de esconde-esconde (jogar às escondidas).
 
vídeo, que se apresenta na exposição, demonstra mais uma tentativa de explorar formas de solidão para complementar o glossário. Neste vídeo, na vertical, a Solidão entra em cena e através dos gestos repetidos produz uns ritmos (arritmos) sonoros numa tarola: como que a chamar a atenção para a sua presença isolada do outro lado do ecrã; como que a chamar para uma guerra. Quando a ação cessa, sai de cena. A personagem, como num ritual, está imbuída no seu propósito e parece dialogar com a camara (com o observador). No entanto, a sua performance é isolada (num espaço branco infinito) e presa dentro dos limites do enquadramento. O seu chamamento é inglório, pois as outras personagens em cena que partilham o espaço expositivo apenas parecem permanecer numa comunidade. Quando observadas constata-se o isolamento e a necessidade de cada uma estar consigo própria. As repetições do vídeo trazem conforto no reconhecimento do padrão e na gestão da expectativa.
 
performance do dia inaugural e a subsequente instalação apelam à participação ativa do público que é convidado a moldar em plasticina azul (cor que predomina nas personagens e obra do autor) formas livres, à semelhança das que se apresentam como moldadas pela Solidão, que são colocadas sobre uma folha de papel em rolo que se estende da parece ao chão e que se vai desenrolando à medida que o universo de pequenas esculturas aumenta. Uma vez mais o lado lúdico do disfarce e da modelação em plasticina, tornando uma matéria em algo metafórico e especial, são apresentados como parte da reflexão sobre o Antropoceno e a proposta de construção de meta narrativas sobre natureza e cultura que o autor tem vindo a demonstrar no seu percurso artístico.
 
Como num jogo, a presença das personagens de tamanho humano no espaço expositivo, (que se apresentam como imagem-tempo de diversas atividades) convida à recreação, e desafia, tornando o observador participante no meio da brincadeira aparentemente interrompida pela sua presença. Como as crianças que nos jogos ensaiam respostas diferentes para a mesma pergunta, a proposta expositiva convida de forma direta o público a construir as suas regras e as suas estratégias de pensamento na construção solitária da sua narrativa do real e a indagar como um etologista sobre o comportamento animal.
 
Curadoria: Maria Manuela Lopes
Produção: Margarida Bezerra Bastos